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O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus

O Dr. Parnassus (Christopher Plummer) tem o dom de inspirar a imaginação das pessoas. Dono de uma companhia de teatro itinerante, ele conta com a ajuda de seu assistente Percy (Verne Troyer) e do mágico Anton (Andrew Garfield) para oferecer ao público a chance de transcender a realidade e entrar em um universo sem limites, o qual pode ser alcançado ao atravessar um espelho mágico. Tony (Heath Ledger) foi encontrado pela trupe dependurado em uma ponte, à beira da morte. Após ser salvo, ele passa a integrar a equipe, como forma de escapar de seu passado. Em uma tentativa de modernizar o show, ele termina por conhecer o novo mundo oferecido por Parnassus e passa por diversas transformações no decorrer de sua viagem. Só que esta mágica tem um preço e ele está perto de ser cobrado ao dr. Parnassus: sua preciosa filha Valentina (Lily Cole).

Assisti hoje o filme O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus… o filme que está fadado a ser lembrado como o último filme de Heath Ledger, que morreu durante as filmagens do longa, em janeiro de 2008. Mas, para quem assiste, o filme supera esse rótulo por conta da notável – e já provada – capacidade do diretor Terry Gilliam em dar forma aos seus mais malucos delírios.

E, no caso deste seu novo trabalho, nada mais pertinente do que deixar a criatividade fluir solta. O dr. Parnassus do título (vivido por Christopher Plummer) é um homem com mais de três mil anos. Ele lidera um grupo de teatro mambembe que tenta sobreviver numa época quando as pessoas não se interessam mais por histórias. Em meio a uma úmida e atual Londres, a trupe – completada por Valentina (Lily Cole), filha de Parnassus; Percy (Verne Troyer) e Anton (Andrew Garfield) – encena o mundo imaginativo de Parnassus, que realmente existe através do espelho aparentemente cenográfico instalado no centro de seu palco. Sua moldura, no entanto, é passagem para a imaginação não do protagonista, mas do próprio cidadão que ousa ultrapassar a fronteira entre a realidade e a mente, tão cheia de ilusão truques e armadilhas. Mas o grande desafio de Parnassus é ganhar uma aposta feita há muito, muito tempo com Nick (o cantor Tom Waits), também conhecido como o Diabo.

A realidade em O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus é sempre suja, úmida, escura. A direção de arte do longa reserva ao grupo de Parnassus os ambientes e figurinos mais criativos, brilhantes, em muitos momentos coloridos, enquanto as ruas de Londres são dominadas pela escuridão de um mundo que não quer mais saber das histórias do protagonista. Mas, quando os personagens ultrapassam o espelho de Parnassus – como a Alice de Lewis Carrol, que também atinge um mundo imaginário ao passar pelo objeto em Alice Através do Espelho -, o filme ganha cores e formas inusitadas, que lembram muito as animações non sense de Gilliam na série Flying Circus, produzida pelo lendário grupo humorístico inglês Monty Phyton, do qual fez parte. Criaturas sem corpos, somente com pés; cabeças gigantes das quais saem seres humanos; números musicais incomuns: são elementos que fazem parte da imaginação de Gilliam.

Vale lembrar a boa solução pensada pelo roteiro, escrito por Gilliam e Charles McKeown, depois da morte de Ledger, que não havia concluído sua participação como o personagem Tony, que se junta à trupe de Parnassus. Sem o ator, os atores Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell substituem Ledger de uma forma plausível, condizente com a história do filme. E quer saber? Se o filme fosse pensado dessa forma, talvez não ficasse tão bom. As cenas em que os três atores aparecem se passam dentro do tal mundo imaginário do Dr. Parnassus e lá você pode ser quem você quiser. Quem você sonhar. E por isso, a mudança de atores, que muita gente pode até estranhar no início, veste como uma luva em uma daquelas mãos que tem uma cabeça no seu topo.

Muitos devem ser atraídos a O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus pelo fato de ter Heath Ledger no elenco, mas este não deve ser o único motivo a levar o espectador à projeção, pelo contrário. Não é um filme fácil. Esteticamente desafiador, tem um roteiro complexo, permeado principalmente pelo surreal, que não agrada a todos os públicos, mas principalmente aos que apreciam as loucuras características do cinema de Gilliam. De qualquer forma, jamais deve ser restrito somente ao rótulo de “o último filme de Heath Ledger”; é uma obra resultante do interessantíssimo mundo imaginário de Terry Gilliam.